Frequentemente pacientes com menos de 18 anos procuram os serviços de saúde, sobretudo os centros de referência da saúde da mulher, para ter acesso ao chamado abortamento legal. O abortamento consiste na interrupção da gestação. No Brasil, tal conduta é tipificada como crime pelo Código Penal (arts. 124 a 128), havendo duas hipóteses em que é permitida: a) gravidez resultante de estupro; b) inexistência de outro meio para salvar a vida da gestante. Uma terceira hipótese passou a ser admitida no Brasil após o julgamento da ADPF nº 54: antecipação terapêutica do parto de feto com anencefalia.
O problema ora colocado e analisado é: uma paciente com menos de 18 anos pode decidir pela realização do abortamento legal desacompanhada de um responsável legal? De acordo com Código Civil (art.s 3º e 4º), pessoas com menos de 16 anos são absolutamente incapazes – precisam de um representante que pratique atos da vida civil em seu nome e visando o seu melhor interesse – e pessoas com mais de 16 e menos de 18 anos são relativamente incapazes – carecendo de um assistente para que, em conjunto, tome decisões e pratique atos jurídicos.
A Portaria nº 1.508/2005 do Ministério da Saúde, a qual regula o “Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS”, parece partir dessa premissa, ao apontar quatro fases: a) relato dos fatos, de maneira circunstanciada; b) realização do procedimento propriamente dito; c) assinatura de termo de responsabilidade, constando o possível cometimento de crime (falsidade ideológica e aborto) caso o relato seja falso; d) termo de consentimento livre e esclarecido.
Cada etapa conta com um termo específico, a ser assinado pela paciente ou, se incapaz, por seu representante legal. Portanto, à primeira vista, seria necessária a participação do representante ou assistente ao longo do processo decisório. Ocorre que, como apontado por diversos bioeticistas, a noção de capacidade civil seria insuficiente para analisar questões que dizem respeito ao exercício da autonomia em saúde. Isto porque, originalmente, tal instituto jurídico foi cunhado com vistas à regulação de relações jurídicas eminentemente patrimoniais.
No caso ora sob análise, estamos diante de uma questão extrapatrimonial, existencial, que diz respeito a direitos fundamentais – sobretudo os direitos sexuais e reprodutivos. Ademais, pode-se estar diante de divergência entre a paciente e seu representante, bem como de casos de violência intra-familiar. Há autores que defendem a plena capacidade de adolescentes para o exercício de direitos relacionados à vida e à saúde. Contudo, diante das exigências legais, em situações-limite como as referidas, a equipe médica poderá buscar o Ministério Público para orientações e busca por decisão judicial que autorize o ato sem autorização dos pais ou representante legal.
Camila Vasconcelos & Amanda Barbosa