Direito do Paciente: novo ramo jurídico

O movimento pelo reconhecimento dos direitos do paciente data da década de setenta, momento histórico em que se reivindicou a autonomia pessoal sobre o próprio corpo, e se questionou o paternalismo e a assimetria informacional na área da saúde. Dessa forma, afirmar que as pessoas detêm direitos específicos quando se encontram sob cuidados em saúde tão somente pelo fato de serem humanas consiste em um progresso moral das sociedades contemporâneas. Esse avanço moral refletiu, na década de noventa, na adoção de leis sobre os direitos do paciente em variados países. A Finlândia foi o primeiro pais a contar com uma lei sobre os direitos do paciente. Atualmente, a maior parte dos países ricos possui legislação sobre os direitos do paciente e, na América Latina, por exemplo, Argentina, Equador e Chile contam com lei sobre os direitos do paciente[1].

O Direito do Paciente é um novo ramo jurídico que não se confunde com o Direito Médico, o Biodireito e o Direito Sanitário. O Direito do Paciente tem como objeto epistemológico o estudo dos princípios balizadores da relação de cuidado em saúde, dos direitos do paciente e de seus mecanismos de implementação. Assim, o Direito do Paciente adota o princípio do cuidado centrado no paciente, o princípio da tomada de decisão compartilhada, o princípio da tomada de decisão apoiada, o princípio da responsabilidade do paciente, e o princípio da autonomia relacional, enquanto comandos norteadores da aplicação dos direitos do paciente. Como objeto do Direito do Paciente, enumeram-se os seguintes direitos: direito ao consentimento informado; direito à segunda opinião; direito de recursar tratamentos e procedimentos médicos; direito de morrer com dignidade, sem sentir dor e de escolher o local de sua morte; direito à informação sobre sua condição de saúde; direito de acesso ao prontuário; direito à confidencialidade da informação pessoal; direito ao cuidado em saúde com qualidade e segurança; o direito a não ser discriminado; o direito de reclamar; direito à reparação e direito de participar da tomada de decisão.[2]

Os mecanismos de implementação do Direito do Paciente podem ser ilustrados a partir dos adotados em alguns países europeus: órgãos de monitoramento (Bulgária), “advocates” dos direitos dos pacientes (Hungria), ombudsman do paciente (Noruega), ombudsman das pessoas (Polônia), agência de direitos dos pacientes (Dinamarca), escritório de direitos dos pacientes (Grécia) e organizações representativas de pacientes (França)[3]. No Brasil, não há mecanismos de implementação dos direitos dos pacientes.

Importante registrar que os direitos do paciente não se confundem com os direitos do usuário e os direitos do consumidor. Os direitos do paciente são aqueles direitos que as pessoas têm quando se encontram sob cuidados em saúde, ou seja, regulam a relação entre o profissional de saúde e o paciente. Os direitos do usuário são os direitos dirigidos ao agente responsável pelo serviço de saúde, pois é o direito de acesso a esse serviço, bem como a insumos, medicamentos e outros bens correlatos. Na esfera federal, a Lei nº 13. 460, de 26 de junho de 2017, dispõe sobre a participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Os direitos do consumidor dizem respeito à configuração do paciente como consumidor e à caracterização da relação de consumo, conforme o Código de Defesa do Consumidor. Quanto à aplicação do Direito do Consumidor ao cuidado em saúde, destaca-se que a lógica consumerista não se ajusta à lógica do cuidado, portanto, essa aplicação deveria ser reconsiderada no Brasil.

O Direito do Paciente é um ramo jurídico que se encontra em construção e tem como objetivo central conferir voz ao paciente e assegurar sua participação no cuidado em saúde, reconfigurando seu papel no encontro clínico. No Brasil, a ausência de legislação contribui para a escassa consciência por parte dos pacientes de que são titulares de direitos, desse modo, é fundamental que se aprove o PL nº 5559/16 – Estatuto dos Direitos do Paciente, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados. Ademais, contar com uma legislação nacional é imprescindível para que o Direito do Paciente tenha arcabouço normativo próprio e com base no Estatuto dos Direitos do Paciente se construa uma nova visão ético-jurídica acerca da relação profissional de saúde e paciente.

 

Aline Albuquerque
Advogada da União, Pós-Doutora pela University of Essex, Inglaterra, e pela
Emory University, Estados Unidos e Professora Credenciada da Pós-Graduação em Bioética da UNB

 

 

[1] ALBUQUERQUE, Aline. Direitos Humanos dos Pacientes. Curitiba: Juruá, 2016.

[2] EUROPEAN COMMISSION. Patients’ Rights in the European Union Mapping eXercise. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2016.

[3] EUROPEAN COMMISSION. Patients’ Rights in the European Union Mapping eXercise. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2016.

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