Os novos parâmetros no diagnóstico da morte encefálica no Brasil

Retomando a atualização dos escritos, recordo-me ter feito uma vez um Editorial para a Revista Evocati, intitulado “A morte encefálica é morte!” Na época, ministrávamos, ainda (mais uma vez com Lara Torreão), um curso multidisciplinar de capacitação sobre o tema, com oficinas práticas e ético-legais, ocasião em que percebíamos muitas dúvidas e resistências acerca desse critério, por vezes dos próprios médicos, que se sentiam inseguros em diagnosticar o óbito de origem encefálica, a despeito de reconhecidamente irreversível, dificultando sua aceitação pela população em geral.

Passada mais de uma década do Editorial, a morte encefálica segue definitivamente morte e, felizmente, sua aceitação, reconhecimento e preparo para o diagnóstico por parte dos estudantes e profissionais de saúde já se mostra bem mais robustecida. Há cerca de um ano e meio, em finais de 2017, as normativas que, há vinte anos, disciplinavam o diagnóstico da morte encefálica foram atualizados, ensejando a substituição da já tradicional Resolução n. 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina, que regulamentava o tema por direcionamento da Lei 9.434/97, pela atual Resolução CFM 2.173/2017, a que se soma o Decreto 9.175/2017, substituindo o anterior Decreto 2.268/97.

E quais as mudanças adotadas pela nova normativa? Em apertada síntese, pode-se dizer que algumas dúvidas técnicas foram esclarecidas, como a não influência de determinadas alterações eletrolíticas, notadamente a hipernatremia (excesso de sódio no sangue), no diagnóstico, salvo se única causa do coma, estabelecendo-se parâmetros para a abertura do protocolo, à luz dessas condições.

Sob o prisma da conduta geral, incluiu-se a exigência de um tempo de observação de seis horas na unidade, antes da abertura do protocolo, o que ensejou a redução do tempo entre as duas avaliações clínicas que, para o adulto, era justamente de seis horas, passando a ser de apenas uma hora. Os demais intervalos também se reduziram, de sorte que o período máximo entre elas passou a ser de 24h entre as avaliações para os pequenos lactentes entre sete dias e dois meses de vida, em lugar das anteriores 48h. Unificou-se, ainda, a faixa etária entre dois meses e dois anos, cujo intervalo entre as baterias clínicas passa a ser de 12h (antes havia duas faixas nesse interregno etário, dividido pelo marco dos doze meses de vida). Também em atenção às peculiaridades etárias, estabeleceram -se padrões de pressão arterial que autorizam a abertura do protocolo, segundo a idade do examinando. Outrossim se fixou o parâmetro de temperatura corporal em 35ºC como excludente da hipotermia, inclusive para o teste de apneia.

O teste de apneia, a propósito, procedimento que, por sua maior dificuldade prática, cuidado e preparo técnico na realização, ensejava maior resistência, passou a ser exigido em apenas uma das baterias clínicas. Ajustado também o tempo para a observação e teste contralateral do reflexo vestibulocalórico, que passam a ser, respectivamente, de um e três minutos. Passou-se a admitir a fundamentada avaliação unilateral, quando inviabilizada a bilateral, nos reflexos fotomotor, corneopalpebral, oculocefálico e vestibulococalórico, benfazeja atualização, de há muito esperada.

Havia expectativa também em relação ao ajuste da idade gestacional corrigida para viabilizar a aplicação do protocolo aos prematuros, todavia a Resolução não fez alteração nesse aspecto, mantendo-se a correção para quarenta semanas mais sete dias como mínimo necessário para o diagnóstico.

Combinada ao Decreto 9.175/17, a Resolução também ampliou o leque de especialidades que podem efetuar o diagnóstico em uma das baterias clínicas, passando-se a admitir especialista em medicina intensiva, medicina intensiva pediátrica, neurologia, neurologia pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência (Res. CFM 2173/17) ou outro médico especificamente capacitado (Decreto 9.175/2017 que alterou o anterior Decreto 2.268/97). Antes, apenas o neurologista, neurocirurgião e neuropediatra tinham de realizar um dos exames.

Os exames complementares também seguem mantidos, já não se exigindo, contudo, que sejam feitos somente após a primeira ou ambas as baterias clínicas, e estipulando-se menor exigência acerca do tipo de exame, segundo a faixa etária, embora se registre a preferência pelo EEG para lactentes com fontanelas abertas, pacientes com craniotomias descompressivas ou encefalopatias hipóxico-isquêmicas.

 

Maria Elisa Villas-Bôas
Doutora em Direito Público, Professora Associada UFBA,
Defensora Pública Federal e Médica Pediatra

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