Um paciente pode ser obrigado a se manter em tratamento médico?


Nos últimos dias, houve grande repercussão em torno do caso de um jovem de 22 anos que manifestou a vontade de não mais comparecer às sessões de hemodiálise. Diagnosticado com doença renal crônica, reportagens referem que o mesmo considera a hemodiálise um tratamento doloroso e desconfortável. Diante da ausência de perspectiva de cura, teria externado a preferência por não mais participar dos ciclos. Sua mãe, desejando que o filho se mantivesse em tratamento, ajuizou ação de interdição e pediu que lhe fosse determinada a obrigação de comparecer à unidade de saúde.

Tal ação visa demonstrar que o jovem não tem condições de decidir a respeito, mesmo sendo plenamente capaz de acordo com o critério etário adotado pelo Código Civil. Mesmo não chegando a uma decisão final a respeito, o magistrado conferiu à mãe do paciente o direito de conduzi-lo a tratamento, sendo vedado o uso de meios coercitivos. A grande questão, portanto, é a investigação da capacidade decisória do paciente, à luz da teoria das incapacidades do Direito Civil e dos estudos bioéticos sobre autonomia.

Com o passar do tempo, os pacientes, em geral, passaram a reivindicar uma maior participação na tomada de decisões a respeito dos tratamentos que desejam ou não se submeter. Desse novo contexto vivenciado na relação médico-paciente decorre o chamado direito de recusa de tratamento. Porém, o seu exercício ainda provoca estranhamento, afinal: por que uma pessoa, diante da indicação de tratamento médico, desejaria não se tratar? Essa consternação atinge o profissional e, sobretudo, seus familiares, como no caso mencionado acima. Contudo, tendo o paciente condições de decidir de forma autônoma, cabe a ele a última palavra a respeito.

Em situações como essa, tendo-se como premissa os princípios da Bioética principialista cunhada por Beauchamp e Childress, entram em conflito o que o profissional médico entende por dever de fazer o bem ao paciente (princípio da beneficência) e o dever de respeitar a sua vontade, após o devido processo de consentimento livre e esclarecido (princípio de respeito à autonomia). Para o paciente, neste sentido, o seu bem poderá ser o não tratamento, ma medida em que o considera danoso, a partir de suas considerações. Embora não sejam casos de resposta simples, pois demandam análise detida dos elementos do caso concreto, é preciso considerar que, se suprimido o direito de recusa a tratamento, a autonomia do paciente se torna uma falácia, pois a ele somente restaria acatar as sugestões apresentadas pelo médico.

Por isso, reitera-se que está em jogo, em situações como esta, não a possibilidade de recusar tratamento médico – inclusive, garantida pelo art. 15 do Código Civil brasileiro – mas sim a análise adequada da capacidade decisória do paciente, o que envolve um estudo conjunto das lições do Direito e Bioética. Uma vez constatada a capacidade decisória do paciente, seus familiares ou o profissional de saúde não tem legitimidade para obrigá-lo a realizar qualquer tipo de intervenção, ainda que haja finalidade terapêutica.

 

Camila Vasconcelos & Amanda Barbosa

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