Discurso da Paraninfa – Medicina Turma 244ª UFBA

Cumprimento a todos, familiares, colegas professores, na pessoa do Ilustre Diretor desta centenária casa, Dr. Luiz Fernando Adan, cumprimento os formandos da ducentésima quadragésima quarta turma da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia!

Eu sinto tanto orgulho de vocês! Admiro tanto! Observo a solidariedade de vocês, uns com os outros, a forma linda de darem um abraço naquele amigo mais cansado e um sorriso forte para aquele mais angustiado! Os olhos de vocês brilham diante de lindezas simples. Acho que, em algum momento, vocês se deram conta de que, no âmbito da saúde, o pouco é muito e o muito é sempre desejado. A ternura segue por este caminho. E espero ter caminhado bem com vocês. Espero ser como vocês são.

Eu entrei na Faculdade de Medicina, pela primeira vez, em 2008, quando voltava de uma viagem que durou 11 meses, época em que residi na Ilha açoriana São Miguel, por ocasião de meus estudos no Mestrado em Bioética, na cadeira de filosofia, em Portugal. Longe de minha família, com muita saudade, passei estes meses encantada com a história da medicina, precisamente com a relação entre médicos e pacientes, suas comunicações, dificuldades, alegrias, assimetrias… Fui selecionada, depois de algum tempo, para ser professora substituta no Eixo Ético-Humanístico aqui nesta Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, quando conheci meu grande e querido amigo, Professor Antônio Nery Filho, criatura humana por quem sinto imensa admiração e para quem espero, um dia, poder dizer que consegui ser, após aprender muito, ao menos parte do grande docente de alma que ele é. Docente que deposita sua crença na significativa hipótese de tocar almas humanas a partir de um grande desafio: fazer crer, aos alunos, que por mais que a sociedade precise e deseje as suas presenças sob a forma de deuses, suas relações com os humanos se mantém, tanto quanto também são, humanos.

Alunos de medicina são humanos. Assim como pacientes são humanos. Assim como médicos são humanos. E humanos não são perfeitos, que maravilha! Que alegria o reconhecimento da imperfeição, a tranquilidade de saber que a completude do conhecimento não existe, e que, o que existe, é a humildade de sempre continuar sob a forma de aprendiz. Nunca deixem de estudar. Tanto a medicina quanto a vida. Observem a vida, observem as pessoas, suas expressões, suas dúvidas, suas felicidades. Vejam a quantidade de delicadeza que acontece perto de vocês. E procurem estar atentos aos deuses da medicina, Apolo, deus da cura, seu filho Esculápio, deus da medicina e Hipócrates, que assimilou a tradição médica, e cujo juramento deve sempre estar presente, mesmo que vocês sejam agnósticos, porque a medicina existe antes, durante e continuará existindo depois de vocês. É uma dádiva tocar almas na academia e na assistência à saúde. Tenham consciência disso sempre, mesmo que o cotidiano busque tornar árduas e automáticas as suas relações com as pessoas.

Eu sinto tanto orgulho de vocês! Admiro tanto! Assim que foi aberto o concurso para docente permanente me inscrevi, e passei a estudar com tanto afinco, da hora que acordava à hora que ia dormir, que minha família se preocupou muito. E se não obtivesse êxito? O que seria de toda aquela expectativa? Mal sabiam eles que, no primeiro dia de prova olhei para Esculápio, que estava à frente do Auditório em que eu viveria aquela primeira etapa, a da prova escrita, e conversei com ele. Com toda a deferência e respeito expliquei a ele que eu não era médica, mas que admirava tanto, tanto aquele lugar, e era tão feliz ali, que se fosse possível, se me desse a licença, eu entraria, e, em troca, eu faria o meu melhor com aquele amor e admiração que sentia. Quando fiz a minha prova didática, passei uma hora antes na antessala da Sala da Congregação. Pedi, mais uma vez, agora àqueles rostos, que me permitissem viver aquela alegria. E que eu faria o meu melhor. Porque sentia admiração. Com grande alegria fui aprovada e, desde então, procuro ser feliz no lugar em que desejei estar, feliz.

Minha vontade de dizer isso a vocês, que são as estrelas da noite e não eu, é para afirmar o quanto é significativo para mim este momento. Vocês assistiram às minhas três gestações: a de Duda, a de Carol e a de mim. Muito obrigada por esta coincidência tão feliz. Por este convite e homenagem como Paraninfa a, repito, esta mulher, não médica, jovem, professora de ética e extremamente admiradora da Medicina, admiradora desta mesma moça querida com quem hoje vocês decidem se casar, homens e mulheres, todos fortes, todos frágeis, todos livres e entrelaçados pelo sincero receio de, por algum acaso, errar. Acho que esta é a maior preocupação que vocês têm hoje. A de não alcançarem as expectativas do cotidiano, de seus pacientes, de seus professores, de suas famílias.

Mas, não se preocupem. Justamente por serem humanos e não deuses é que são imperfeitos. E a imperfeição ou, melhor, a consciência da imperfeição é uma dádiva. Tranquiliza a alma, portanto, estejam tranquilos, mas não a ponto de relaxar a contínua busca pelo conhecimento. Vocês são seres lindamente imperfeitos e que, com muito afinco, estudam, cuidam e buscam reduzir ao máximo o acontecimento que desnuda as vestes do Deus médico.

No início do curso nós, professores de ética, também temos sincero receio, neste caso de não conseguirmos orientar a semente de pequena soberba que implantam em seus umbigos frágeis assim que são aprovados no curso. Nossa meta é não regar esta semente, semestre por semestre, ou sequer dar espaço para que alguns de vocês desejem regar. Fazemos isso pela via da comunicação, da empatia, do cuidado e criação de um vínculo de fidúcia e bem-querer tão grande, que esperamos que seja recíproco! E, no final do curso, nós, professores de ética, temos sincera certeza de que buscamos encantar seus corações e mentes a favor do melhor, da ternura, do bem cuidar conhecedor de direitos e deveres a favor do conhecimento a respeito da existência dos poderes e das vulnerabilidades, das amarguras das notícias difíceis e das alegrias de um sucesso no tratamento de pessoas que, conforme vimos na Aula da Saudade, são fins em si mesmas, são um todo inseparável, mesmo que repletas de partes a serem estudadas minuciosamente em suas especializações.

A vida é suficientemente frágil e suficientemente forte. Assim como os pacientes são, assim como vocês que, agora, médicos, também são. Então, diante deste frio da barriga que hoje toca as suas almas, fiquem felizes! Porque se está frio é porque ficou o vazio da semente da soberba não regada. Que sumiu! Quem tem soberba não sente frio na barriga! E, agora, este vazio será preenchido com o encantamento do dia a dia, com agradecimentos feitos por vocês, a si mesmos, e pelos pacientes, com afeto, quando se notarem realmente afetados pela empatia de vocês.

Repito: a empatia se dá por meio da comunicação. Falem, sintam, abracem se for preciso, chorem de for mais preciso ainda. Vocês são humanos. Galeano, no “Livro dos Abraços”, mais precisamente no 2º texto sobre a celebração da voz humana, nos ensina que “quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais”.

Se estas palavras que eu disse não condizem com suas pretensões de ser humanos, perdão. Se condizem, celebremos, juntos, a felicidade que agora estou sentindo em ver estes queridos sujeitos, novos médicos que continuarão a sentir-se humanos. Admirem a si mesmos. E o que é admirar? É pretender se aproximar daquilo que é mirado, quase que um espanto bom que provoca uma vontade de estar junto. Estejam unidos, não se separem de vocês mesmos, nem uns dos outros. Cuidem de vocês.

São meninos e meninas que, aos poucos, se tornam homens e mulheres, médicos e médicas queridos. Parafraseando Ferreira Gullar, que escreveu o que Heitor Villa Lobos anteriormente musicou, eu diria que vocês estão entrando no Trenzinho Caipira, e que o destino é bom! “Lá vai o trem com o menino, Lá vai a vida a rodar, Lá vai ciranda e destino, Cidade e noite a girar, Lá vai o trem sem destino, Pro dia novo encontrar, Correndo vai pela terra, Vai pela serra, Vai pelo mar, Cantando pela serra do luar, Correndo entre as estrelas a voar, No ar, no ar, no ar.” Estejam perto de suas famílias, queridas que são, e que hoje estão vivendo uma alegria tão grande que o nó na garganta transborda vez ou outra. Parabéns aos familiares, parabéns aos professores, parabéns a vocês! Sigam firmes! Sempre em frente!

 

Camila Vasconcelos
(Professora de Bioética DMPS-FMB-UFBA e Advogada em Direito Médico)

 

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