A Guerra dos Consultórios

É fato indiscutível que o volume de processos movidos contra médicos e profissionais da saúde cresceu exponencialmente nos últimos anos. Praticamente todas as semanas, jornais, rádios ou redes de televisão noticiam um novo caso, seja de condenação (em valores cada vez mais elevados), seja de absolvição (o que também não é raro), de profissionais que foram levados à Justiça por seus ex-pacientes.

A questão que se coloca é, portanto: efetivamente, houve um aumento no número de erros médicos?

O espaço não permite uma discussão mais elaborada, mas entendemos que não. Aconteceu, sim, um extremo desgaste na relação médico x paciente, e esse desgaste tem se refletido nos tribunais e nos conselhos de ética profissional.

A medicina evoluiu muito nas últimas décadas. Novos equipamentos, com tecnologia de ponta, surgem a cada dia, levando à segmentação da atividade e à especialização cada vez mais necessária dos operadores da saúde. Com isso, paradoxalmente, cresce a intolerância do paciente contra eventuais falhas ou resultados insatisfatórios de seu tratamento. O médico generalista, o clínico geral, tinha o “direito” de ter dúvidas. O especialista, munido de caros e sofisticados exames, não.

Ao mesmo tempo, o exercício da medicina tornou-se uma atividade de massa, sendo priorizado o volume de atendimentos em detrimento da qualidade da atenção ao paciente, tanto na rede pública, como na rede privada de saúde. Não raro, o paciente desconhece até mesmo o nome de seu médico, que é o que está de plantão no hospital público, ou com agenda mais disponível no guia de credenciados de seu plano de saúde. Estes profissionais, por sua vez, pressionados por baixos salários, tendem a ter mais de uma fonte de trabalho, e se submetem ao atendimento de mais pacientes por dia do que o recomendado, passando com eles cada vez menos tempo – e reconheça-se – por vezes sem nem mesmo saber seu nome, preencher corretamente seu prontuário ou conhecer adequadamente sua história clínica. Simplesmente não há tempo, pois a fila na sala de espera não pára de crescer.

Em muitos casos, processos têm sido gerados a partir de um simples mal entendido. A falta de uma conversa mais aprofundada, uma explicação sobre causas de determinada doença, e conseqüências de seu tratamento, são responsáveis por problemas que seriam facilmente evitáveis. Chegamos assim ao exagero de o paciente ver seu problema curado, mas interpretar um efeito colateral adverso (que seria perfeitamente previsível, mas que não lhe foi informado) como um erro no tratamento, uma falha profissional.

Some-se a isso uma parcela de pessoas que alimentam a chamada “indústria do dano moral”, transformando a medicina numa das atividades profissionais de maior risco nos dias atuais.

Por fim, há ainda os maus profissionais mesmo, pequena parcela que atua sem se preocupar com o paciente, encarando-o como um estorvo a ser removido no menor tempo possível, como mais um de uma imensa lista cujo atendimento está sendo sub-remunerado, esquecendo-se que este paciente nenhuma responsabilidade tem sobre o vilipendiamento dos honorários médicos, que é assunto para outro dia.

Tudo isso somado, tem transformado os consultórios, clínicas e hospitais em uma praça de guerra, com médicos e pacientes se encarando com desconfiança mútua. É uma batalha sem vencedores.

 

Eduardo Dantas
Advogado, Mestre em Medical Law pela University of Glasgow, Escócia (2007) e
Doutorando em Direito Civil pela Universidade de Coimbra, Portugal

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