Telemedicina no Brasil: regramento ético-profissional

Flexibilização da telemedicina põe à prova segurança do sigilo médico - 17/04/2020 - UOL VivaBem

O desenvolvimento da tecnologia da informação tem alterado substancialmente a dinâmica da relação médico-paciente e os usos dos avanços tecnológicos na área da saúde têm sido discutidos há algum tempo. Neste sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) assim definiu, ainda em 1977, a Telemedicina como “A prestação de serviços de saúde, onde a distância é um fator crítico, por todos os profissionais de saúde usando tecnologias de informação e comunicação para a troca de informações válidas para diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças e lesões, pesquisa e avaliação, e para a educação continuada de prestadores de cuidados de saúde, tudo no interesse de promover a saúde de indivíduos e suas comunidades ”.[1]

Do ponto de vista ético-normativo da medicina, a Resolução CFM nº 1.643/2002 conceituou a Telemedicina como “o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação áudio-visual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde”[2].

Em 13 de dezembro de 2018, o CFM editou a Resolução nº 2.227[3], de modo a regulamentar a telemedicina e ampliar, substancialmente, a prática no país pela realização, dentre outros, de consultas, diagnósticos e cirurgias à distância. Entretanto, o CFM decidiu por revogá-la, considerando “o alto número de propostas encaminhadas pelos médicos brasileiros para alteração dos termos da Resolução CFM nº2.227/2018”.[4]

A despeito de existirem inúmeras controvérsias quanto à implementação da telemedicina no país, no contexto da pandemia da Covid-19 declarada pela Organização Mundial de Saúde e do reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Decreto Legislativo Federal nº 06 de 2020[5], este debate ganhou força. Deste modo, considerando a alta taxa de transmissibilidade do vírus SARS-Cov-2 em diversas regiões do país, as medidas de prevenção, enfrentamento e recuperação do vírus (e a heterogeneidade desses elementos para cada região e grupo social), surgiram diversas disposições normativas acerca da telessaúde e telemedicina, de maneira a reconhecer, ao menos em caráter excepcional, a possibilidade de utilização da telemedicina.

Neste ínterim é editada a Portaria nº 467/2020[6] e, em seguida, a Lei nº 13.989/2020[7], para dispor sobre o uso da telemedicina durante a pandemia da Covid-19. Por conseguinte, diversos conselhos de classe passaram a regulamentar o uso e a prática da telessaúde. No âmbito da telemedicina, cita-se como exemplo a Resolução CREMEB nº 367/2020[8] (editada em substituição às resoluções CREMEB nº 363 e 365/2020, que já dispunham sobre a assistência médica a partir de ferramentas de telemedicina, durante estado de calamidade pública).

A resolução enuncia, dentre as modalidades de telemedicina e telessaúde, a Teleorientação, o Telemonitoramento, a Teleinterconsulta, a Teleconsulta e a Teleconsulta hospitalar, além de dispor sobre o registro no  prontuário  dos  dados  avaliados  pelo  médico, emissão  de  receitas,  relatórios  e  atestados  médicos  à  distância, e a necessidade de as empresas que forneçam plataformas específicas de transmissão e armazenamento de dados de telemedicina, terem Diretores Técnicos médicos registrados no Conselho Regional de Medicina.

Em que pese as discussões sobre o tema, é inegável que a prática da Telemedicina vem sendo consideravelmente ampliada, o que deve acontecer em consonância com a reivindicação de um fazer médico que compreenda a dimensão da reflexão ética como parte integrante do processo de desenvolvimento científico e tecnológico.

Tom Vasconcelos
Advogado em Direito Médico e da Saúde,
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia,
Pós-Graduando em Direito Social do Trabalho pela
Fundação Escola Superior do Ministério Público/RS.

Camila Vasconcelos
Advogada em Direito Médico e Bioética,
Professora da Faculdade de Medicina UFBA e
Doutora em Bioética pela Universidade de Brasília – UNB.

 

[1] Tradução livre. WHO. Telemedicine: opportunities and developments in Member States: report on the second global survey on eHealth, 2009. Disponível em https://www.who.int/goe/publications/goe_telemedicine_2010.pdf Acesso em 17 set 2020.

[2] Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.643/2002. Define e disciplina a prestação de serviços através da Telemedicina. Disponível em https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2002/1643 Acesso em 17 set 2020.

[3] Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.227/2018. Define e disciplina a telemedicina como forma de prestação de serviços médicos mediados por tecnologias. Disponível em https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2018/2227 Acesso em 17 set 2020.

[4] Brasil. Conselho Federal de Medicina. Conselheiros do CFM revogam a Resolução nº 2.227/2018, que trata da Telemedicina. Disponível em https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=28096:2019-02-22-15-13-20&catid=3 Acesso em 17 set 2020.

[5] Brasil. Decreto Legislativo nº 6, de 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm#:~:text=DECRETO%20LEGISLATIVO%20N%C2%BA%206%2C%20DE,18%20de%20mar%C3%A7o%20de%202020. Acesso em 17 set 2020.

[6] Brasil. Portaria nº 467, de 20 de março de 2020. Dispõe, em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de Telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional previstas no art. 3º da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, decorrente da epidemia de COVID-19. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-467-de-20-de-marco-de-2020-249312996 Acesso em 17 set 2020.

[7] Brasil. Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020. Dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Lei/L13989.htm#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20uso%20da,SARS%2DCoV%2D2). Acesso em 17 set 2020.

[8] Brasil. Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia. Resolução CREMEB nº 367/2020. Dispõe sobre a assistência médica a partir de ferramentas de telemedicina, durante estado de calamidade pública que determina isolamento, quarentena e distanciamento social e revoga as RESOLUÇÕES CREMEB Nº 363 e 365/2020. Disponível em http://www.cremeb.org.br/index.php/normas/resolucao-cremeb-367-2020/ Acesso em 17 set 2020.

 

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